sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Uma jornada feliz e próspera

“Hoje, o exemplo negativo daquelas irmãs nos chama a atenção para o nosso papel. Que sejamos instrumentos para promover a paz, a harmonia e a reconciliação”

Evódia e Síntique eram duas conceituadas mulheres macedônicas. Elas tinham grande destaque na igreja cristã de Filipos, cidade da Macedônia oriental, a cerca de 16 quilômetros da costa do Mar Egeu. Na sua carta aos filipenses, o apóstolo Paulo cita-as nominalmente e menciona que elas deveriam se entender melhor diante do Senhor. Elas eram conhecidas por terem forte personalidade e a desavença entre ambas quebrava a harmonia e o bem-estar daquela comunidade a quem Paulo ministrava, por assim dizer, o dom da alegria, do gozo e do regozijo redobrado.

Paulo diz solenemente: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique que sintam o mesmo no Senhor” (Filipenses 4.2). A leitura pública de uma carta vinda das mãos de um homem de Deus com o caráter do apóstolo certamente poderia provocar o afastamento de ambas por iniciativa própria, pois ficariam envergonhadas – ou elas, por si mesmas, tomariam posição de compor “a alegria e coroa de Paulo” de firmeza no Senhor. Reforçando ainda que a desavença deveria ser sanada, Paulo, no versículo 3, apela para um companheiro que ajudasse aquelas mulheres. Afinal, friso, elas trabalharam com ele e desfrutaram da sua companhia pessoal, mas algo estranho estava ocorrendo entre ambas.

Curiosamente, não se tem nenhuma pista do que realmente acontecia entre Evódia e Síntique. Também, fosse qual fosse a querela, como se sabe, diante da Cruz de Cristo ninguém tem razão em nutrir contendas. Certamente, estava havendo uma ferrenha disputa que já afetava a igreja local e suas lideranças, já que comportamentos assim criam partidarismos e afetam as pessoas próximas. Tudo bem ao contrário do que Paulo ensinava – que todos deveriam “pensar concordemente”, sem nódoa de
mágoas ou picuinhas.

Além daquela desarmonia ser contrária à verdadeira fé cristã, uma outra contradição estava espelhada nos nomes das duas servas de Deus. O nome Evódia, de evodomai, significa “ir bem”, “prosperar”, “fazer uma boa jornada”. Termos semelhantes são empregados no versículo 2 da terceira epístola de João – “Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas”. Evódia, como cristã, não estava fazendo uma jornada feliz de vida cristã, pois vivia na desavença. Por sua vez, Síntique – também um nome grego, que significa “afortunada” –, vivia na pobreza espiritual da falta de amor e perdão. Essas duas irmãs na fé estavam contribuindo para uma possível instabilidade da harmonia familiar dos irmãos filipenses.

Lembra a Bíblia que tudo o que está ali escrito é para o nosso proveito, como diz Romanos 15.4. Hoje, a lição negativa dessas duas irmãs nos chama a atenção para o nosso papel em nossas comunidades. Que sejamos instrumentos para promover a paz, a harmonia, a reconciliação – “cada um considerando o outro superior a si mesmo” (Filipenses 2:3), e tendo “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” (versículo 5). Assim, conforme preconizou Paulo, desfrutaremos de bênçãos tão bem sintetizadas no significado dos nomes de Evódia e Síntique: Uma jornada feliz e afortunada.

Agnaldo L. Sacramento Presidente do Ministério Shalon - ABC e membro da Academia de Letras da Grande São Paulo.

Labirintite evangélica

 

A longa reportagem de capa da revista “Época” intitulada “Os novos evangélicos” (9 de agosto de 2010) passa a impressão de que a igreja evangélica brasileira está com labirintite. Ela está tonta há algum tempo, quase caindo para os lados. Não está bêbada nem de álcool nem do Espírito Santo. A igreja está confusa, aturdida, sem saber com certeza o que abraçar e o que desabraçar, o que manter e o que descartar. A confusão aumenta porque os impacientes querem mudar tudo e os tímidos, nada. De uma coisa, não todos, mas alguns estão absolutamente certos -- aquilo que nos últimos anos foi entrando pelas frestas da igreja precisa sair. A dificuldade é fazer o inventário das “raposinhas” que entraram na vinha do Senhor e fizeram os estragos que todos devem estar enxergando (Ct 2.15). Todavia, não podemos usar isso como desculpa, pois algumas dessas “raposinhas” são bem visíveis. Daí o subtítulo da matéria de capa da “Época”: “Um movimento de fiéis critica o consumismo, a corrupção e os dogmas das igrejas -- e propõe uma nova reforma protestante”.

Parece que o tumor está sendo espremido. Ricardo Agreste, presbiteriano, um dos entrevistados da “Época”, explica que “o grande problema dos evangélicos brasileiros não é de inteligência; é de ética e honestidade”. Ed René Kivitz, batista, outro entrevistado, diz que “as pessoas não querem dogmas, elas querem honestidade”. Pelo que se vê, as “raposinhas” não são tão pequenas quanto se pensa. Soberba, profanação, desonestidade, hipocrisia, ciúme, inveja, ambição (tanto pelo poder eclesiástico como pelo vil metal) -- nunca foram raposas de pequeno porte!

Com problemas de tontura, certo homem procurou o médico e recebeu o diagnóstico de labirintite. Ele saiu do consultório com duas receitas. Na primeira, havia uma lista de remédios de uso contínuo. Na segunda, o médico escreveu: “Na crise: Vertix e Betaserc”.

Sem dúvida, a igreja evangélica brasileira precisa de um remédio de uso contínuo para curar sua labirintite. Porém, enquanto a cura não ocorre, ela precisa de outros medicamentos para se livrar da horrível zonzeira do momento.

Uma onda de humildade, de convicção do pecado, de arrependimento, de confissão, de conversão talvez seja de uso contínuo. O mesmo se pode dizer de outras providências. O que os evangélicos e outros cristãos podem fazer para aliviar a tontura presente? Há uma resposta não-sofisticada, não-acadêmica, não-complexa, não-duvidosa diante da igreja. Ela não está distante, não é difícil e não mexe com os dogmas denominacionais nem pessoais. A resposta que se impõe vale-se da herança comum de todo aquele que professa o cristianismo, ou seja, evangélicos e católicos, tanto no Brasil como em outra cultura.

Se a maioria dos protestantes brasileiros, históricos e pentecostais, e ainda os neopentecostais (chamados também de pseudopentecostais), se deixarem impressionar outra vez (ou pela primeira vez, caso não tenha havido a primeira) pela pessoa, pelo ensino, pela morte vicária, pela ressurreição, pela soberania e pela consumação da vitória de Jesus sobre tudo e sobre todos -- a crise de tontura acabará. E os remédios de uso contínuo produzirão a cura da labirintite evangélica!

O bispo anglicano Kenneth Cragg gosta de lembrar: “Onde estiver encoberta a beleza da cruz, ela deve ser desvendada”.